Ir. Fabiana Mª D. Aranha,
Quando foi que seus pais começaram a trabalhar?
E você, começou a trabalhar com quantos anos?
A diferença das respostas que um único leitor hodierno venha a dar a estas duas simples, embora não ingênuas indagações, por si só já são bastante reveladoras. Questões que dizem respeito ao modo de viver das pessoas sofreram mudanças incontáveis no decorrer de 20 anos.
Alguns, pertencentes a uma geração de “velha guarda”, de certo se recordarão de haver iniciado suas atividades remuneradas em idades bastante temporãs. Quantos não tiveram sua infância tolhida em razão de “ajudar a família”? E haverá muitos que agradeçam por isso, uma vez que esse modo de trabalhar perpassa suas relações, sejam de trabalho, sejam pessoais e familiares.
Contudo, não é por este horizonte, ao nosso ver horizonte histórico, que queremos desenhar estas linhas. Sinta-se o leitor convidado a revestir-se de lentes, não as de grau, como costumamos usar nos óculos, nem a de “achismos”, mas dessas lentes da qual fazemos uso, que são a experiência de uma formação em Serviço Social e de uma Vida Consagrada. Queremos trazer à tona alguns aspectos que o Estatuto da Criança e do Adolescente, mais conhecido como ECA, pondera a respeito da questão TRABALHO, atendo-nos ao Capítulo V, artigos 60 a 69.
O ECA prescreve que nenhuma criança ou adolescente pode trabalhar antes dos 14 anos, exceto na condição de aprendiz (cf. art.60). Igualmente garante o direito de acesso ao ensino regular, além de vedar, em quaisquer condições, o trabalho noturno[1], insalubre, perigoso e penoso, realizado em locais prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social da criança e/ou adolescente, em horários e locais que dificultem ou impeçam a freqüência à escola (cf. art. 63 e 67).
Assim sendo, segundo a letra da Lei, nosso olhar não pode permanecer indiferente ante incontáveis crianças e adolescentes, de ambos os sexos e distintas idades, que nos abordam nas esquinas e semáforos, seja limpando os vidros de nossos automóveis, fazendo malabarismos, vendendo guloseimas... Essas ações, embora entendidas como TRABALHO pelo senso comum, são na verdade, formas, muitas vezes sutis, de exploração.
Estamos de acordo com aqueles que venham a argumentar que o trabalho assalariado igualmente consiste em exploração da mão de obra. Sim. Mas as atividades acima descritas, realizadas por sujeitos que ainda não atingiram a maioridade, e muitas vezes sequer chegaram à adolescência, não só exploram sua mão de obra, mas tiram-lhes o direito de estudar, de brincar, de ser o que lhes corresponde nesse idade, impondo-lhes um fardo notadamente pesado a curto, médio e longo prazos.
Aqueles mesmos que à primeira indagação que abre estas poucas linhas, tenham se sentido contemplados por uma atividade de trabalho que começou muito cedo, às vezes por volta de seis ou sete anos, talvez se manifestem como fortes defensores do trabalho infantil, como forma de garantir a formação de “homens e mulheres de bem”. Para os que tiverem desperta esta inquietude, vale ressaltar que o ECA não desaprova que adolescentes realizem trabalho. Desde que na condição de aprendizes, implica, impreterivelmente, que o acesso à educação formal seja garantido, que a atividade realizada seja compatível com o desenvolvimento do adolescente e que haja um horário especial para a realização destas mesmas atividades. Por último, embora não menos importante, a condição de aprendiz deve garantir que haja um profissional daquela atividade que ensine e responda por aquela atividade e que esta, preferencialmente, capacite o adolescente à atividade regular remunerada (cf. art. 68 e 69).
Numa sociedade desigual como a nossa, onde as discrepâncias sociais são tantas, onde não há vida para todos, nem casa para todos, nem educação para todos, nem trabalho para todos, nem moradia para todos... ou seja, onde os direitos fundamentais são violados constantemente, nesta sociedade composta por muitos, inclusive por você, caro leitor e por mim, o que esperamos dessas crianças e adolescentes que se vêm lançados à exploração de sua força de trabalho com tão pouca idade, sem direitos básicos protegidos e assegurados?
Que esperamos?
Não reclamemos, portanto, dos frutos que colhemos... Ou se de fato esta situação nos incomoda, e almejamos uma sociedade mais justa e mais equânime, não lavemos nossas mãos ante esta situação. Mas sejamos valentes o suficiente para, desde o lugar em que ocupamos como cidadãos, podermos exigir e lutar por melhores condições de vida, que garantam que crianças possam ser crianças, que adolescentes possam ser não só o futuro de políticas públicas, mas seu foco no presente.
Eu aposto e sonho com esse mundo melhor! Estas linhas, são uma pequena contribuição ao debate que está posto. E você, o que pensa?
[1] Entende-se por trabalho noturno aquele realizado das vinte e duas horas de um dia às cinco horas do dia seguinte.